Este artigo é diferente, não é sobre tecnologia. É sobre diabetes, hospital, SUS e várias outras coisas.
O resumo para os ansiosos: minha diabetes foi diagnosticada em 2019 e de lá pra cá não tomei nenhum cuidado. A doença teve 5 anos para agir livremente e, finalmente, causou um estrago sério, fui internado no hospital Waldemar de Alcântara por 2 meses, mas não antes de repetidas idas ao Antônio Prudente, pelo plano de saúde, onde sempre me mandavam pra casa, colocando a minha vida em risco. O SUS me atendeu e me salvou, o ano foi 2 meses mais curto, ainda estou reaprendendo a andar e descobri quem são os membros da minha rede de apoio.
Segue lendo quem quiser detalhes.
O problema da diabetes é que ela trabalha serena, sem pressa. Dessa forma, o diabético tem tempo de seguir uma vida irresponsável e prejudicial.
Dê tempo suficiente à doença e ela vai, por exemplo, providenciar uma infecção na perna tão dolorosa que vai lhe tomar a capacidade de andar.
Não obstante, o excesso de glicose no sangue prejudica o processo de cicatrização, então duas coisas se manifestam: feridas que não fecham, produzindo pus constantemente, e feridas purulentas internas, chamadas abcessos.
A perna estava esquisita há vários meses, mas a fé adamantina de que ia sumir naturalmente, como das outras vezes, seguia.
Os abcessos se acumulando entre os músculos da perna prejudicavam o movimento e causavam uma dor lancinante.
Ao final de setembro algo diferente aconteceu. Uma bolha surgiu no tornozelo e estourou. Desta bolha estourada surgiu uma ferida que seguia se aprofundando e crescendo. Quem notou que algo não estava certo foi o meu irmão. Seguimos para a upa e, diferente das consultas no hospital particular, a indicação foi de internação imediata.
Há três momentos na vida em que somos completamente dependentes da boa vontade alheia: quando somos criança, quando somos idosos e quando estamos enfermos.
A enfermidade é o único desses momentos que, a princípio pode ser difícil de aceitar ajuda, ainda mais se formos independentes.
E é preciso ajuda para tudo: andar, comer, fazer as necessidades básicas, tomar banho, tudo. Quanto mais rápido o enfermo aceitar esta situação, mais fácil vai ser cuidar dele.
O primeiro hospital foi uma UPA, sem janelas, com todo tipo de pessoa nos outros leitos. Alguns deles estavam delirantes e passavam a madrugada inteira gritando coisas desconexas.
De lá, após 4 dias, fui transferido para o Waldemar de Alcântara, onde passei os meses de outubro e novembro.
Eu achava que a minha profissão, programador, era mais fácil que medicina porque diferente do médico eu podia ficar tentando coisas até uma dar certo.
Durante a internação eu aprendi que médico também fica tentando coisas até uma dar certo.
Me deram uma procissão de antibióticos até que um deles funcionasse. Enquanto não achavam o certo, diarreia, muita diarreia.
Além dos antibióticos, houveram 2 cirurgias para a remoção de abcessos que eram grandes demais para o corpo absorver sozinho. A cirurgia da perna deixou cicatrizes extremamente dolorosas.
Para conter a dor, pedi para ser constantemente sedado, pedindo drogas cada vez mais fortes. Passei outubro todo fora de mim.
Por causa dos longos períodos deitado e pela própria natureza da cirurgia, desaprendi a andar, perdi o equilíbrio e boa parte da capacidade pulmonar.
Em novembro pedi a suspensão das drogas para dor.
Ap final do mês a infecção estava controlada e 2 meses da minha vida, trabalho, estudo, lazer, haviam sido subtraídos.
Recebi alta ainda incapaz de andar sozinho.
É dito que na vida temos várias preocupações até que adoecemos. Aí passamos a ter uma só preocupação.
As contas ficaram uma bagunça. Era incerto se eu teria emprego ao final de novembro. Esqueci completamente cada pequeno plano que eu tinha para 2024.
Este ano foi sobre não morrer.
Eu descobri que posso contar com a minha família. Meus irmãos, cunhada, meus sobrinhos, minha mãe e o meu pai também. De ações a orações, cada um esteve comigo nestes meses dolorosos, me acompanhando enquanto enfermo.
Posso contar com um punhado de amigos que, a despeito da distância, se dispuseram a me visitar.
Posso contar com novos amigos feitos no hospital, médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem que fizeram de tudo para me manter vivo, livre da dor o quanto possível e oferecendo conselhos, palavra de conforto, esperança.
Algo que me incomodou muito foi a forma que o atendimento particular tratou a doença. Claramente eu precisava ser internado já em setembro. Fiz exames de sangue, raio x, ultrassom, tomografia computadorizada e certamente alguma coisa estava ali já. Mas não houve indicação alguma para internação.
Já na rede pública, estima-se que aplicaram nas minhas veias aproximadamente 30 mil reais só em antibióticos. Viva o SUS!
2024 foi de longe o ano mais tenso da minha vida. eu me despeço dele sem saudade alguma, com essa sensação de terra arrasada, reaprendendo a andar e tentando retomar minha autonomia. Ainda preciso de muitos cuidados.
2025 tem no topo da minha lista de prioridades minha recuperação completa e então pensarei no que fazer. uma lista simples. Saúde, o resto a gente corre atrás.